Histórias de Dona Guiomar
escritas por Nereide S. Santa Rosa
Março 02, 2001
Índice das Histórias já publicadas

Profissões do século passado

Certas profissões nunca deixarão de existir. Médicos,  advogados, padeiros,  lixeiros,  secretarias, são profissões altamente necessárias para nossa sociedade. No entanto, creio que mudanças deverão ocorrer...médicos virtuais especializados em genética por exemplo...ou padeiros especializados em micro-ondas ... ou talvez ...secretarias eletrônicas ou digitais ....e assim por diante.

A experiência que adquiri através da observação da história do cotidiano em quase um século, faz-me concluir que algumas  profissões se reciclam ao longo do tempo, e devemos estar preparados para isso...outras porem, simplesmente desaparecem...como se nunca houvessem existido.

Por aí podemos perceber como tudo é tão efêmero...e passa rápido...Muitas vezes, alguém que se vangloria tanto de sua profissão, depois de algum tempo se torna tão irrelevante que ela acaba esquecida em algum canto de nossa memória...

Vejamos  algumas profissões do século passado.

Meu sogro, italiano , é um exemplo: logo ao chegar da Itália e se instalar  com a família na Bela Vista, teve o grande orgulho em tirar sua primeira carteira de habilitação no Brasil. Sua profissão : cocheiro. Isso mesmo, andava pela cidade , devidamente habilitado e autorizado, guiando sua carroça pelas ruas de paralelepípedos do Itaim, do Centro, de Santo Amaro,   Santana, Brás, Bexiga, aonde houvesse transporte ...

Por inúmeras vezes , de 1930 a 1932, ao ir estudar na Rua da Glória no Colégio São José, avistei as tropas de burros dos cocheiros, descansando,  estacionadas no centro da cidade de SP. Havia um enorme chafariz no Largo do Piques onde hoje está a Praça da Bandeira e ali os animais ficavam tomando água . Era  ponto de encontro dos carroceiros e das charretes, na verdade fazendo uma analogia,  o local tinha a mesma função que hoje tem : um terminal de transportes. Chamava a minha atenção, quando ao caminhar pela Rua Riachuelo, avistava os cavalos e burros ali parados... mas a cidade já começava a se modificar e novos meios de transportes iriam se impor aos paulistanos. Aquela imagem que avistava iria desaparecer,  porem não da minha memória.

A atividade profissional de meu sogro durou pouco e ele  se tornou dono de uma padaria aqui no Itaim. Sua profissão já estava desaparecendo..assim como  a dos motorneiros de bondes que costumavam dirigir sempre brincando e fazendo barulho...Havia até uma pequena melodia em homenagem a eles: Seu condutor, din din , seu condutor din din pare esse bonde pra descer o meu amor...

E novas profissões começavam a estar na moda. Eu mesma , quando cursava o último ano da escola, me preocupei em fazer um curso que fosse atual: datilografia. Fui estudar  no Instituto XV de novembro bem no centro . Hoje quando vejo minhas filhas e netas digitando o teclado do computador, comparo com  os ensinamentos que aprendi no antigo curso. Imaginem que nós aprendíamos desde colocar e retirar o papel na máquina até decorar as teclas, fazer correção de palavras , alterar tipo de letras,   dar espaços e parágrafos ,  tudo feito manualmente e com muita atenção...digitar, desculpem, datilografar com rapidez era essencial para ser devidamente diplomada com um lindo enorme certificado com o nome escrito ou melhor, desenhado a nanquim. Foi com muito orgulho que recebi o meu  diploma. Hoje os programas de computador fazem tudo para nós...ficou fácil demais...perdeu-se o encanto... 

Uma das profissões mais românticas e interessantes que eu tive oportunidade de apreciar foi o acendedor de lampiões de gás...Na rua Augusta onde eu morei de 1918 a 1924,  os acendedores eram figuras obrigatórias...eles vinham caminhando pela rua tanto para acender o lampião ao cair da noite como para o apagar ao amanhecer do novo dia. Carregavam  um grande bastão com uma ponta em forma de funil e costumavam  avisar  a hora gritando “São seis horas!”. Depois que me mudei para o Itaim, nunca mais vi um acendedor de lampiões...Ficou só a velha letra da música: Lampião de gás, lampião de gás, quantas saudades você me trás! ....

Outra profissão que testemunhei o desaparecimento foram os lambe-lambes...esses fotógrafos de rua que encontrávamos em todas as praças da cidade. Todo o povo comprava suas fotos que eram tiradas ali mesmo, na rua, e reveladas imediatamente...não sei o método que  usavam, mas após a  foto ser registrada e o inevitável “Sorria” acontecer, eles retiravam uma grande chapa de dentro da caixa e a colocavam atrás,  a escondendo com um pano preto e...a foto em branco e preto  estava pronta... fácil e rápido...parece até “coisa do século XXI”!

E o médico de família...Ah... esse era nosso amigo, quase sempre nem cobrava sua visita que era  acompanhada com um cafezinho, bolo  de fubá ou até mesmo um almoço...era amigo de verdade,  preocupado com nosso bem estar e nos conhecia por inteiro e em detalhes...o resultado era surpreendente...quase sempre suas orientações eram felizes e corretas.

Os profissionais para serviços domésticos eram comuns nos bairros e muito competentes: marceneiros, serralheiros, encanadores, vidraceiros,  pintores, eletricistas... eram pessoas da comunidade que nos atendiam com  amabilidade e atenção por um custo justo e correto...Não precisávamos nem da existência do Procon... a consciência de cada profissional era o controle de qualidade do atendimento.

E a costureira, então ...hoje são poucas e restritas a trabalhar para grandes confecções e lojas. Aquela máquina de costura que era obrigatória em cada casa de família , hoje é peça de museu...as mulheres não costuram mais e perdem a oportunidade de fazer economia  evitando comprar roupas feitas, sem qualidade . Costurar era uma profissão  imprescindível na formação da boa dona- de- casa ou da jovem de família , assim como a bordadeira, a tecelã, a crocheteira e a tricoteira. Profissões que deveriam ser resgatadas e divulgadas novamente às nossas jovens, dando mais uma oportunidade profissional para elas.. Por  que não  ensiná-las nas escolas públicas dando  uma opção e uma formação de bom gosto  e lucro certo? . Atualmente os produtos feitos a partir do trabalho manual são muito bem valorizados, em detrimento da alta industrialização que massifica a qualidade.

Poderia ficar aqui descrevendo mais e mais profissões  do  século passado...mas ainda teremos outras oportunidades de voltar ao assunto. Seja qual for a  profissão, ela sempre será  importante para a sociedade, mesmo as que já desapareceram, pois elas foram criadas pela  necessidade da comunidade e  desempenharam seu papel naquele momento em que existiram. Dessa forma contribuíram para a formação da sociedade em que vivemos hoje. 

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