Histórias de Dona Guiomar
escritas por Nereide S. Santa Rosa
Fevereiro 02, 2001
Índice das Histórias já publicadas
Somos todos paulistanos.
Pesquisando fotos e imagens, lendo jornais e revistas, olhando em torno da cidade que moramos, constato que, de certa forma, os paulistanos de todos os bairros se unem, conversam, trocam experiências e recordações.
Desde a chegada dos primeiros imigrantes em 1887, nossa cidade não parou mais de receber pessoas vindas de diferentes lugares, trazendo costumes, linguagem, comportamento e cultura diversificados. A São Paulo que hoje conhecemos foi construída pelas mãos dessas pessoas. Pessoas que acreditavam em uma vida melhor e a buscaram enfrentando diversidades e dificuldades. Esta é uma foto antiga da Hospedaria dos Imigrantes aqui em São Paulo.
Os bairros paulistanos que estavam em formação no início do século XX centralizaram grupos de imigrantes: os italianos no Brás, no Cambuci e na Bela Vista, os alemães em Santo Amaro e Campo Belo, os japoneses na Liberdade, os árabes no centro, os judeus no Bom Retiro.
Meus pais portugueses ao chegarem, vindos de Portugal no ano de 1911, foram morar na Rua Fortaleza onde nasci em 1918. Meu pai foi trabalhar como guarda da polícia militar. Os meus sogros italianos que chegaram da Itália em 1910 foram para a Bela Vista. Imaginem que a quantidade de italianos nesse bairro era tanta que conseguiram se unir e estabelecer a Paróquia N. Sra. Achiropita apesar de outro padroeiro ter sido escolhido oficialmente.
Essa história é interessante na medida que mostra como a comunidade pode alterar os rumos da história. No início do século XX existiam na Bela Vista duas correntes de imigrantes : uns eram devotos da N .Sra. da Ripalta e os outros eram calabreses ( entre eles os pais de meu marido) que cultuavam N. Sra. Achiropita. Quando ficou decidida a criação de uma paróquia, o bispo escolheu São José. No entanto, os calabreses, em maior número, se uniram e continuaram cultuando sua santa em uma capela simples, sem bancos, estabelecida na casa de um dos moradores. Essa união da comunidade calabresa foi tamanha que eles conseguiram alterar o decreto do bispo: finalmente a Paróquia de N. Sra. de Achiropita foi instituída oficialmente em 1926.
São essas pequenas histórias que nos comovem e nos fazem acreditar que a história da nossa cidade pode ajudar no resgate da cidadania .Nossa cidade é dinâmica ... e devemos saber aproveitar essa mobilidade para nosso bem. Trocando experiências, participando, se comunicando para melhorarmos a cidade como um todo. E essa troca, social e cultural entre os bairros sempre existiu, seja por motivos religiosos, ou econômicos, ou de lazer...
Como por exemplo, lembro-me dos tropeiros de Santo Amaro que nos idos da década de 20 vinham em grande número pela estrada de terra, hoje Avenida Santo Amaro...Traziam alegria aos moradores da região...principalmente a nós, crianças, que festejávamos sua passagem... Traziam costumes observados com interesse por todos...Eram o assunto da semana....comentado e assimilado pela comunidade. A cultura popular acabava sendo transmitida e assimilada por todos.
Aliás, antigamente, as distâncias entre os bairros e as pessoas eram maiores...no entanto, o tempo de deslocamento era quase o mesmo que hoje levamos. Enfrentando ruas de terra, verdadeiras trilhas e caminhos se fosse necessário, os moradores se deslocavam entre um bairro e outro. Como certa vez que me recordo, na década de 30, quando tive que cumprir uma promessa: ir a uma igreja de Nossa Senhora Aparecida...naquela ocasião ainda era difícil para nós viajarmos até a cidade de Aparecida...então a minha solução foi caminhar até a igreja que já existia em Moema.
Partindo da Chácara Itaim, atravessei o Córrego do Sapateiro e a Estrada de Santo Amaro, pulando morrinhos e morrinhos de terra. Alcancei a Vila Nova Conceição e, sempre caminhando, entre mata virgem e campos de flores, segui uma trilha que levava até Moema, subindo e descendo as ladeiras onde hoje emergem edifícios imponentes. A bonita igreja ficava em uma clareira onde hoje está o Largo N. Sra Aparecida. E assim, minha promessa foi cumprida.
E antigamente, tal como ainda é hoje, o deslocamento entre bairros fazia-se necessário para se trabalhar ou então para se estudar. O simpático bairro do Brooklin sempre foi sofisticado com as suas ruas com nomes dos estados americanos: Flórida, Georgia, Indiana, e a mais importante, a antiga Avenida Central...Esse bairro era tranquilo, calmo, e mesmo na década de 60 ainda tinha terrenos baldios que serviam de campos de futebol aos pequenos moradores e muitos deles vinham estudar no Instituto de Educação Ministro Costa Manso na Rua João Cachoeira depois da sua inauguração em 1964.
Atualmente a grandeza de São Paulo dificulta a integração de seus espaços, no entanto conhecendo nossa história podemos nos aproximar e assim acabamos percebendo que somos parte de um todo. E que, os fatos e acontecimentos do passado refletem no presente de nossa cidade. Já tive a oportunidade de receber mensagens de pessoas que moraram no Itaim-bibi e hoje vivem em Moema, Brooklin, Santo Amaro, Campo Belo. Pessoas que levaram experiências, histórias, emoções e pensamentos. E outras que se mudaram para cá, trazendo em sua bagagem esperanças, mas também lembranças.
Os bairros de Santo Amaro e Interlagos hoje abrigam diversos membros de minha família, antigos moradores do Itaim-bibi. Meu irmão Acácio, por exemplo, mora junto com seu filho em Santo Amaro. Minha cunhada Lidia, esposa de meu falecido irmão Alberto, mora em Interlagos. Quantas recordações e alegrias passamos juntas nos velhos tempos do Itaim-bibi! Já tive oportunidade de contar e descrever inúmeras passagens envolvendo nossa família. Os fatos da vida levaram meus irmãos para longe do Itaim, mas nosso amor e nossa amizade permaneceram, independentes de espaço. Vejam essas fotos:
Aqui eu e Lidia estamos juntas no ano de 1949, na Rua Bibi, antiga Renato Paes de Barros.
Nesta foto eu e Lidia estamos juntas no ano de 2000, em minha casa.
Assim, nossos bairros se misturam, e trocam experiências. Interessante notar que, com a vida agitada que levamos, ainda encontramos maneiras para nos comunicar...mesmo que seja de forma virtual.
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