Histórias de Dona Guiomar
escritas por Nereide S. Santa Rosa
Janeiro 5 de 2001
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Lembranças de uma feliz cidade.

Nestes dias de janeiro, ao caminhar pelas ruas da cidade, chego até a sentir uma certa tranqüilidade que era comum na minha juventude.

Mais silêncio, sem buzinas e escapamentos...mais sons de pássaros ...menos gente pelas calçadas...um certo ar de cidade civilizada...um trânsito mais suportável...

Com um pouco de esforço, podemos até apreciar a paisagem sob a luz do sol que brilha até mais tarde...

Com um pouco de carinho no pensamento, podemos até suspirar e imaginar que nossa cidade pode ser bonita, tal qual aquela que vivi e apreciei há muitos anos atrás.

Aliás o mês de janeiro foi muito importante e significativo na minha vida. Em primeiro lugar foi o mês que nasci, mas também foi o mês em que me casei com Nicola no ano de 1939, aos vinte e um anos de idade. Ao casarmos, fomos morar na Rua Bibi, atual Renato Paes de Barros, enquanto minha mãe e meus irmãos continuaram morando na João Cachoeira.

O meu sogro, ao vir de Mogi das Cruzes com a família, havia comprado a padaria do Marreco e se tornara proprietário da Padaria Itaim, no mesmo local onde hoje existe a Padaria Furnas.

E assim nós iniciamos a nossa vida de casados. Nicola trabalhava junto com o pai e eu cuidava de nossa casa, ao lado da padaria.

Ao final de 1939, nasceu nossa primeira filha, Neusa. O nosso bairro naquele tempo já possuía um bom comércio, quase todo localizado na Rua Joaquim Floriano, igreja, escolas e uma linha de ônibus regular. O pequeno ônibus vinha do Largo do "Piques" (atual Praça da Bandeira), seguia a Brigadeiro Luiz Antonio, passava pela Joaquim Floriano, simplesmente conhecida como avenida, e chegava ao ponto final em sua garagem, localizada na Rua Tabapuã em frente a antiga Igreja Santa Tereza. Chegando ali, retornava pelo mesmo caminho.

Interessante era notar que o maior movimento no ônibus e nas ruas do bairro acontecia aos domingos.

Naqueles idos do início da década de 40 era comum os moradores do Itaim-bibi tomarem o ônibus aos domingos a tarde e irem passear no centro da cidade. Eu, Nicola e a pequena Neusa, fazíamos esse passeio quase todas as semanas.

Era muito bonito poder observar as casas, os prédios, as praças, os jardins bem cuidados e as ruas arborizadas do centro da cidade.

Era uma novidade observar os bondes e os carros cruzando as ruas, as pessoas circulando, o movimento e a "agitação" daquele tempo.

E como as pessoas se vestiam elegantemente para passear!

A rotina desses passeios domingueiros era comum e agradável. Passear pelo centro de São Paulo era sempre uma alegria, um momento de diversão, sem medo ou sustos, sem violência ou sujeira. As ruas eram limpas e tranqüilas.

A Praça da República, imaginem, era um local agradável e bonito. Fazíamos questão de levar a minha filha Neusa para brincar com os patos, perus e os cisnes que viviam no lago da praça. E passávamos horas ali, em meio ao jardim, conversando com tranqüilidade, comendo pipoca e amendoim e ouvindo música no coreto.

Famílias elegantes passeavam pelas alamedas e pontes, cumprimentando a todos. Homens de chapéu, mulheres com luvas, meninos de calças curtas e meninas como bonecas. Todos se sentiam parte de uma cidade feliz.

Esta é uma foto da Praça da República em 1928.

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Outro espaço agradável era o belo jardim que existia ao lado do Teatro Municipal, no Vale do Anhangabaú. Observem esta foto do local em 1940. Imaginem como era caminhar por entre os jardins do Anhangabaú, ou pelo Viaduto do Chá, uma obra que nos deixava admirados e orgulhosos do progresso paulistano.

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De vez em quando, escolhíamos outra opção de lazer : o Jardim da Luz. Imaginem só ... Quando foi criado, este parque era o Jardim Botânico da cidade de São Paulo. Na década de 40, costumávamos passear por esse lindo espaço repleto de plantas variadas e flores, estátuas belíssimas, lagos e coreto. Muitas festas e confraternizações eram realizadas ali, principalmente de grupos de italianos. Esta foto é do Jardim da Luz .

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Hoje nossas opções não são muitas. Apesar de vivermos em uma cidade moderna, ficamos restritos ao Parque do Ibirapuera, e olhe lá! Ou então um "Villa-Lobos" sem árvores, ou um "Trianon" perigosíssimo.

Ficamos com medo e desconfiança se resolvemos passear em qualquer praça de São Paulo, geralmente cercada por grades para evitar depredação e vandalismo. Aqui mesmo no Itaim, não temos praças ou jardins. Poderíamos até ter um belo espaço para lazer e cultura no Parque do Povo ou mesmo na antiga Casa Bandeirista. Mesmo a praça Dom Gastão Liberal Pinto poderia ser bem arborizada e até um espaço para atividades culturais do bairro. Creio que atualmente o aproveitamento das praças públicas só apresenta objetivo comercial, isto é, são utilizadas para feiras ou qualquer outra atividade remunerada. No entanto, o uso das praças e dos jardins deveria ser direcionado à cultura e ao lazer, um espaço limpo, seguro e conservado. Tal qual nos velhos tempos... com muito charme, glamour e respeito aos paulistanos.

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