Histórias de Dona Guiomar
escritas por Nereide S. Santa Rosa
Dezembro 15 de 2000
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Recordações de Natal
E o Natal está chegando!!!!!
Dias agitados...conversas familiares...memórias, lembranças que invadem nossos pensamentos... . Decisões e planejamentos...questões e dúvidas: - como faremos a reunião familiar desse ano? Será que fulano vem? Será que devo convidar beltrano?
Natal é sempre um momento especial que requer atitudes especiais.
Para alguns um momento de reflexão ...
Para outros um momento de diversão...
As vezes um enfrentamento de situações...
As vezes uma conscientização e amadurecimento de comportamentos...
Mas sempre um momento especial que nos leva a alguma atitude especial, seja ela qual for.
Os "Natais" antigos eram menos complicados...
Os meus "Natais" antigos, nas décadas de 20 e 30, eram simples e verdadeiros.
As dificuldades financeiras eram reais...muito mais reais que as de hoje...com grande antecedência minha mãe se preocupava em planejar o almoço natalino. Aliás o momento mais esperado era o almoço e não a ceia ou , consequentemente, os presentes...
E assim chegávamos ao mês de dezembro.
Já tínhamos o costume de montar a árvore de Natal. Dia 13 de dezembro, dia de Santa Luzia. Encontrávamos, sem dificuldade ou custos, em qualquer cerca ou esquina do Itaim-bibi, um pinheiro que poderia ser cortado ... e assim o trazíamos para dentro de casa . E os enfeites ? Não precisávamos de lojas, ou rua 25 de março... apenas flocos de algodão...de todos os tamanhos e em grande quantidade...em cada galho, em cada espaço da árvore... os pedacinhos brancos nos traziam alegria. Minha mãe lembrava-se dos natais europeus em meio a neve e era como se a fantasia branca e gelada fosse trazida para dentro de nosso lar...e nós, crianças, ficávamos felizes... simplesmente.. apenas pela imaginação e a fantasia de um floco de algodão . Com os anos, começamos a usar novos enfeites: frutas, fios de lã entrelaçados, e só depois de muito tempo começamos a usar as bolas de vidro.
O mês continuava correndo e nós continuávamos tranquilos... sem correria, sem compras exageradas, sem preparativos especiais e estressantes... sem transformar o Natal em um problema...
Apenas deixávamos o tempo passar...Somente as compras no Mercado Central de São Paulo eram imprescindíveis e necessárias... Esse era um compromisso que meu irmão Alberto havia assumido com prazer: ele era o responsável em comprar o peixe a ser preparado em nosso almoço.
E o dia 24 chegava... véspera de Natal... véspera do aniversário do nascimento de Jesus. Para minha mãe portuguesa, o Dia da Consoada: não podíamos comer carne e então ela preparava o seu famoso bacalhau...com batatas, ao forno, em forma de deliciosos bolinhos... costume que até hoje ainda mantenho.
E a noite do dia 24 descia tranquila e agradável...muitas pessoas iam assistir a missa do galo a meia-noite...e nós crianças , colocávamos nossas meias penduradas atrás da porta de entrada de nossa casa para que o Papai Noel colocasse alguma lembrancinha...tínhamos o mesmo encantamento e a esperança que ainda hoje as crianças sentem nesse tempo...a emoção misturada a fantasia , o mistério e o faz de conta....
E de manhã, ao acordar...todos faziam questão de se cumprimentar: Feliz Natal! Como tudo era lindo e especial...aliás, as manhãs do dia de Natal até hoje são assim: uma sensação de renovação e de esperança, seja por sairmos de nossa rotina diária, seja pelos presentes espalhados pela casa , existe algo diferente no ar no dia de Natal...uma certa paralisia de ações, um certo arrepio de emoções...
E antigamente era assim...ao acordar corríamos para pegar nossas meias e lá estavam nossos presentes: um tostão e algumas nozes para cada um...isso mesmo, hoje parece tão pouco para alguns, mas era tanto para nós!!! Junto com esses presentes vinha muito carinho, amor, afeto e amizade. Aliás nós nunca deveríamos perder essa capacidade de se satisfazer e entender que o valor de algo está na dimensão de sua importância e não em seu valor material. A fantasia estava ali ... o Papai Noel havia se lembrado de vir até nós... e eu , naquele instante, havia sido importante para alguém.
Mesmo naquele tempo, as famílias mais abastadas já tinham o costume de presentear brinquedos para as suas crianças...nós, mesmo distantes, sem informações, televisão, rádio, propagandas, sabíamos que outras crianças recebiam esses presentes... Lembro-me de um certo Natal, aliás o único, que a minha madrinha trouxe uma linda boneca para mim: uma boneca de porcelana, extremamente delicada e linda...e, no mesmo dia, na mesma hora, acho que pela emoção ao tocá-la, a deixei cair no chão espatifando-a... chorei o dia inteiro. Pois é, certas coisas são assim mesmo...fúteis e passageiras.
Passadas as emoções da manhã as atenções eram voltadas ao almoço de Natal. E que almoço...esse sim com fartura e abundância. Era o momento de estarmos junto com nossa família inteira: minha mãe Aurora, eu e meus irmãos Alberto e Acacio, minhas tias Catarina e Albina, meu tio Alberto e meu primo José Nascimento. Não éramos muitos, mas o suficiente para sentirmos o calor familiar que sempre permeia essas ocasiões. Os destaques do cardápio eram o caldo verde de entrada, prato típico de Portugal .O leitão e os frangos criados em nossa própria chácara e preparados de forma especial A carne assada. As sardinhas e a pescada , compradas por Alberto, e preparadas "a escabeche". A salada e novamente os bolinhos de bacalhau. E a sobremesa, imaginem, era a esperada melancia: uma imensa melancia comprada e escolhida com cuidado no mercado. Interessante que essa fruta tinha uma presença fundamental : como se fosse uma espécie de símbolo de partilha entre nós. Era uma alegria cortar seus pedaços e dividir entre todos a mesa... uma fruta bonita, alegre, enorme , como a felicidade que desejávamos para o próximo ano. Não podiam faltar também as famosas rabanadas preparadas pela minha mãe: fatias de pão amanhecido molhadas em vinho e ovo, fritas em óleo quente...servidas com açúcar e canela , eram saboreadas durante o dia inteiro...
As memórias natalinas nos emocionam e nos encantam.
Muitas vezes nos entristecem e nos deixam saudosos de pessoas, de espaços e tempos.
Talvez a velocidade e a agressividade com que vivemos o Natal moderno consigam camuflar essas memórias e emoções...talvez assim a superficialidade ajude a enfrentar a falta de amor, amizade e a união que por ventura possam ocorrer nos dias atuais ... mas, tenham certeza, que o Natal sempre nos remete sensações que, de alguma forma, mexem com nossos sentimentos.
Ainda não vou desejar Feliz Natal a vocês, leitores, pois na próxima semana ainda o retomaremos ... aguardem novas emoções natalinas.
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