Histórias de Dona Guiomar
escritas por Nereide S. Santa Rosa
Setembro 22 de 2000
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Espaços e obstáculos
Vocês já repararam que nós vivemos ultrapassando obstáculos? Parece até que estamos em uma olimpíada!!!! Mas, brincadeiras a parte, andar por essa cidade está cada vez mais difícil. Quando nos deslocamos por nosso bairro enfrentamos obstáculos a cada instante. Façamos uma associação de idéias. Vivendo e morando no Itaim-bibi estamos cercados por avenidas de intenso tráfego. Avenidas como a Nove de Julho, Faria Lima, Juscelino Kubsticheck, a Cidade Jardim, a Brasil, a Marginal Elas nos limitam e se transformam em barreiras a serem vencidas. Simplesmente estamos a mercê dos semáforos que cerceiam o acesso ao outro lado, ou seja a outra margem...certamente uma situação muito parecida com o que antigos moradores da cidade enfrentavam: ultrapassar os rios que os cercavam... Pois é, fizeram a canalização desses rios, colocando avenidas sobre eles...mas a dificuldade em transpô-los continua quase a mesma, afunilando o trânsito local . No entanto nós somos teimosos e insistimos em nos deslocar por aí!!! Não por mera vontade, é claro...simplesmente por pura necessidade. E aí inserimos nosso transporte na corrente de tráfego que passa , passa, corre, corre, como um leito de rio.Creio que os deslocamentos dos habitantes no final do século XIX não deveriam ser muito diferentes...consideradas as devidas proporções, é claro.
Tentemos visualizar a paisagem, o cenário que se descortinava aos mais antigos frequentadores desta região, os índios tupi-guaranis, e mais tarde, os escravos e seus donos, grandes latifundiários. Todos sabem que a região da Avenida Paulista é montanhosa...afinal os paulistanos conhecem muito bem nossa principal avenida . Imaginem se no século passado alguém olhasse o relevo desde o espigão da Paulista até o Rio Pinheiros . Veria um grande vale, terminando em uma planície a nível do Rio Pinheiros. Na verdade um declive que terminava na Chácara Itahy , uma grande várzea, ladeada por três rios: o Pinheiros, o Córrego Uberaba e o Córrego Verde. Por isso, essa região era conhecida como Esmaga sapo". Um verdadeiro charco. Imaginem um rio pinheiros tortuoso desaguando no rio Tietê. Imaginem o Córrego do Sapateiro vindo do atual lago do Ibirapuera em direção ao Rio Pinheiros e o córrego do Saracura vindo do Anhangabaú, passando por baixo da atual Nove de Julho. Pois é, era uma região cercada de água.
A chácara adquirida pelo Gal. Couto Magalhães em 1846 possuía 148 alqueires e fazia divisa com o Rio Pinheiros ao sul, o Córrego Verde a oeste ( na altura do Shopping Iguatemi) e a leste o Córrego Uberaba onde hoje está a Av. Hélio Pelegrino.
Segundo o livro História do Itaim, esse general teve um filho com uma índia. Esse menino foi batizado de José Couto de Magalhães e tinha o apelido de Mameluco. Esse rapaz gostava deste lugar e queria construir benfeitorias. Como por exemplo foi ele que abriu a Joaquim Floriano com oito metros de largura, colocou pedregulhos e plantou magnólias. Imaginem se essas árvores ainda existissem, que lindo seria...Mas, ele morreu muito cedo. Então o irmão do general , o Sr Leopoldo Couto de Magalhães resolveu efetivar a posse dessas terras, vindo morar aqui com a família. Os seus filhos ficaram com vários terrenos e depois começaram a vender a imigrantes italianos e portugueses que se transformaram em chacareiros.
Os anos se passaram e o bairro foi recebendo benfeitorias de toda a espécie. Aliás, algumas delas frutos de promessas eleitorais .
Minhas lembranças em relação a "benefícios" de políticos ao nosso bairro são poucas. O Sr. prefeito Prestes Maia de 1938 a 1945 doou o terreno para a nossa atual Biblioteca Anne Frank, construiu o túnel e abriu as Avenidas Nove de Julho e Cidade Jardim , deslocando ônibus para essas vias e acabando com os bondes que serviam nosso bairro. E o número de ônibus não parou de crescer....
Na primeira gestão do Jânio Quadros e no governo do Carvalho Pinto, a rede de esgotos foi implantada em nosso bairro. Na década de 40, o Sr Ademar de Barros chegou a desfilar a pé pela Joaquim Floriano seguido de muitos moradores. Fazia discurso a cada esquina e gesticulava com energia. No ano de 1964 ele compareceu de novo ao nosso bairro, novamente com muito estardalhaço, porem dessa vez com mais tecnologia: pousou com um helicóptero no pátio interno do depósito do Mappin . Veio para inaugurar o Instituto de Educação Ministro Costa Manso. Nesse dia, Nereide, minha filha, que estudava a primeira série ginasial nessa escola, estava presente na festa . Assistimos o canto do Hino Nacional regido pela famosa professora Tunica Fiore e os discursos, com a participação do diretor Prof. Athos e alguns professores (muito conhecidos de quem estudou nessa escola), o Prof. Maimoni e Prof. Moreau. Aliás esta escola, naquele tempo era considerada uma das melhores da cidade... tinha uma boa infra-estrutura, um ótimo diretor, bons professores e um ensino sério com bom conteúdo.
Pensando bem, nesses oitenta anos de São Paulo, ouvindo as tantas e comuns promessas de candidatos a eleições, uma conclusão cheguei: infelizmente muitos problemas da nossa cidade foram sendo resolvidos provisoriamente. As soluções encontradas não tiveram uma visão mais abrangente. Alguns "benefícios" que a cidade e, consequentemente, nosso bairro receberam foram pontuais, isto é, soluções paliativas a curto prazo. Não houve, e não há, um planejamento urbanístico a longo prazo em nossa cidade. Por exemplo, hoje mesmo observamos que existe um saturamento no trânsito, mas novos empreendimentos são abertos no bairro trazendo mais movimento, transeuntes, carros, ônibus. Será que nosso espaço vai agüentar? Nós, os moradores do Itaim-bibi, podemos fazer alguma coisa? Ah... se pelo menos, nosso espaço ambiental fosse belo, ajardinado, sinalizado, conservado, limpo, seguro....Desculpem, mas pelo menos permitam-me sonhar!
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