Histórias de Dona Guiomar
escritas por Nereide S. Santa Rosa
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A noite mais longa do ano
Há vários meses juntávamos lenha para garantir nossa fogueira. E quantas coisas precisávamos preparar! As comidas típicas, a canjica, a pipoca, o pé de moleque, o arroz-doce, o quentão e o bolo de fubá. Uhnnn... sabores caipiras, que até hoje me trazem alegrias e boas lembranças.
Todas as famílias do bairro faziam festas com fogueiras na noite de São João . Um verdadeiro "congestionamento" .
Havia então a necessidade de combinar os horários. Afinal todos queriam frequentar a festa de todos. Para não coincidir uma festa com a outra e todos poderem participar de todas as festas, era feito um acerto: a nossa festa , na porta da casa de minha mãe, na Rua João Cachoeira, era a primeira. Iniciava as sete horas da noite.Acendíamos nossa fogueira e todos vinham se reunir ao seu redor. Se quiséssemos podíamos ( realmente naquele tempo, nós podíamos) passar a noite inteira ali, sentados, conversando, pulando a fogueira (com cuidado para não queimar o pé). Fazíamos pedidos e promessas aos santos. Sentíamos o calor do fogo e do aconchego da família, unida , alegre, envolvida de calor e amizade. Assávamos batata doce na brasa para depois descascá-la para comer. Uma delícia...
Mas sucesso mesmo fazia o bolo de fubá . Ele também era assado na brasa da fogueira. A massa ( ovos, farinha de trigo, fubá, leite ,etc) já misturada, era colocada em uma panela de ferro. Essa panela ia para a fogueira e lá ficava assando. Mas o segredo dessa deliciosa iguaria ficava por conta de um recurso interessante. Para que o bolo cozesse por igual deixando uma crosta crocante, colocávamos as brasas por cima da tampa da panela. O resultado era simplesmente fantástico.
Depois de algumas horas, íamos para a festa na casa do "Seu" Jacinto . Ficávamos lá mais algum tempo.. afinal essa era a noite mais longa do ano...
E finalmente todos íamos para a festa da família Romeu na Chácara das Bandeiras, que se localizava na Rua do Porto , atual Leopoldo. Essa festa era a maior de todas: o mastro com os três santos ficava hasteado durante o mês inteiro. A fogueira era enorme, e dançávamos ao seu redor, formando uma grande roda com as mãos dadas, cantando : Cai cai balão ou então
O balão vai subindo ... vem caindo a garoa... o céu é tão lindo .... a noite é tão boa ....São João São João ... acende a fogueira do meu coração... Vocês podem acreditar que a letra desse música era a pura realidade das festas juninas da minha infância no Itaim .
Certa vez, houve uma grande festa junina organizada por um grupo de moradores. No terreiro da rua Joaquim Floriano esquina com a Rua Urussui, em frente ao Grupo Escolar , os moradores organizaram a festa junina do nosso bairro.
Não foi uma festa onde se arrecadava dinheiro... não se comprava ou se vendia nada . Apenas uma confraternização e diversão entre os moradores, de maneira sadia e saudável.
Eu, ainda pequena, assisti as brincadeiras dos adultos. E quantas risadas nós demos quando os garotos corriam atrás dos leitões lambuzados com óleo e não conseguiam pegá-lo, apenas caíam de cara no chão. Ou então quando tentavam subir no pau de sebo para alcançar um presente e escorregavam para de novo subir e escorregar novamente. O mastro com as bandeiras dos três santos ficava no centro do pátio. Os bambus, cortados lá da beira do Córrego do Sapateiro, enfeitavam o terreno . As bandeirinhas, feitas de papeis coloridos, eram cortadas e coladas nos barbantes por todos os cantos.E então chegava a hora da quadrilha. Não haviam trajes típicos , ninguém vestia trajes "caipiras" . Apenas todos dançavam ao som do sanfoneiro e dos violeiros , que sempre se dispunham graciosamente a animar a festa. Músicas e cantos portugueses, misturados com modinhas de viola.
Sons e cores de junho. De um tempo que a amizade superava as frias noites de inverno.
Ainda hoje quando olho para a lua, sinto que as noites do mês de Junho permanecem mágicas...
Podemos ainda sentir o calor das fogueiras, os sons caipiras, os aromas dos doces típicos e os brilhos dos rojões. Manifestações puras de nossos costumes e tradições, que ajudam a construir um povo. Ajudam a construir um país, feito de cidadãos que , apesar de tudo, ainda têm esperanças e ilusões.
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