Histórias de Dona Guiomar
escritas por Nereide S. Santa Rosa
Maio 26, 2000
Índice das Histórias já publicadas

A Casa Bandeirista do Itahim

No final da Rua Joaquim Floriano há um espaço onde, certo dia, existiu uma linda casa, com árvores frondosas, palmeiras, jardins e grandes portões... Uma casa com muitas histórias... Uma casa que tentou resistir ao tempo ... tentou resistir aos homens... conhecida como a Casa Bandeirista, mas que no meu tempo, era o Sanatório Bela Vista.  Hoje só vejo ruínas "preservadas".

Lembro-me com detalhes quando, bem pequena e muito curiosa, fui até lá acompanhar uma amiga. As vezes, essas descobertas e observações infantis me colocavam frente a situações inesperadas...

Aquela propriedade havia sido sede da Chácara Itahim, na verdade uma grande fazenda. E em 1927 a casa foi comprada pelo Dr. Brasilio Marcondes Machado. Para nós Doutor Marcondes, o único médico da região. Foi ele que abriu o Sanatório Bela Vista atendendo pessoas com problemas psíquicos.

PalmeirasNaquele dia, Cecília, minha amiga e vizinha, filha do Sr Jacinto Barbosa, precisava entregar cântaros de leite no sanatório. Ela me convidou para ir junto, e lá fomos nós.

Descendo a Rua Joaquim Floriano, na altura da Rua Clodomiro Amazonas havia um grande e bonito portão de ferro. Era a entrada do Sanatório.

Lá chegando, tocamos a sineta e em seguida, veio um enfermeiro, todo de branco, nos atender.

Ultrapassamos o portão e fomos caminhando por uma trilha de pedregulhos apropriada para as charretes e carruagens da época. A trilha era ladeada por enormes palmeiras imperiais. Do lado esquerdo havia um grande galpão aparentemente abandonado.

A casa do sanatório ficava localizada um pouco mais a frente, onde hoje é o final da Joaquim Floriano esquina com a Rua Iguatemi.

Na frente da casa um grande terraço cheio de cadeiras confortáveis, feitas de vime, chamava a atenção . Lá estavam várias pessoas sentadas, na maioria senhoras de idade.

Minha amiga entrou na casa para deixar o leite e trazer os cântaros de volta.

AsiloEnquanto ela fazia isso, fui andando pela lateral da casa olhando o pátio cheio de jabuticabeiras.

Embaixo das árvores, um homem andava de um lado para outro carregando uma gaiola de passarinho vazia. Eatava imaginando o motivo que o levava a fazer isso, quando ouvi uns gemidos vindos da parte dos fundos.

Muito curiosa, fui contornando a casa.Virei à esquerda e reparei que havia uma série de quartos com janelas gradeadas .

Os gemidos vinham de um desses quartos. Fui me aproximando e dei de cara com uma moça agarrada nas grades, gemendo, quase gritando.

Fiquei muito impressionada.

Não entendi muito bem o que estava ocorrendo, mas percebi que ali era um lugar diferente de tudo o que eu conhecia.

Alem disso, já tinham me contado que um pouco mais abaixo da casa (na altura da atual Rua Horário Lafer) havia um cemitério de escravos. Realmente, aquele era um lugar muito pitoresco!

Voltei pelo mesmo caminho, e reencontrei minha amiga.

Conversando, contava a ela o que tinha visto, e não reparamos que estava escurecendo. Uma chuva se aproximava.

Quando os grossos pingos de chuva começaram a cair, fomos procurar um abrigo. E o lugar mais próximo era o galpão que havíamos visto no caminho da entrada. Entramos ali.

Estava um pouco escuro mas logo descobrimos que ali era a antiga senzala dos escravos.

O lugar estava bem preservado ainda com objetos da época da escravidão.

Enquanto chovia, fomos explorando o local.

Havia uma grande baia de madeira, correntes penduradas nas paredes e o tronco com argolas que denunciava torturas e tristezas. Podíamos até imaginar gritos, choros e lamentações. Os raios e os trovões ajudavam a compor o ambiente assustador .

Hoje reconheço que aquele momento foi especial. Entendo que tive a oportunidade de conhecer um verdadeiro ambiente histórico. Havíamos testemunhado um pedaço da nossa história.

Ainda bem que o temporal passou rápido.

Saímos do galpão e então, reparei que o chão estava cheio de coquinhos derrubados pela chuva.Uma frutinha muito gostosa.

Não resisti a tentação. Nem sei quantos coquinhos eu comi. Mas o efeito produzido... ah, esse eu não esqueci. Passando mal, com muita dor de barriga, corri para casa o mais rápido possível.

Aquele dia havia sido uma pequena aventura, mas grande o suficiente para não ser esquecida.

Recordando essas lembranças, cada vez mais percebo a importância da preservação desse sítio histórico de nosso bairro.

Nós, moradores do Itaim-Bibi, merecemos um espaço cultural de alto nível, junto a reconstrução da Casa Bandeirista.

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