Histórias de Dona Guiomar
escritas por Nereide S. Santa Rosa
Maio 12, 2000
Índice das Histórias já publicadas

O Grupo Escolar do Itahim

Pesquisando entre fotos e documentos antigos, descubro-me ainda tão pequena junto a minhas colegas de escola . E então a voz do Seu Fonseca torna a ecoar em meus ouvidos, recomendando a todos os alunos do Grupo Escolar do Itahim a seguirem o caminho de casa . Tomava conta de todos com disciplina e rigidez, envolvimento e amor. Percebíamos que a sua firmeza era a maneira que encontrara para expressar sua preocupação por cada um de nós.

Estudei no Grupo Escolar do Itahim de 1926 a 1929, para depois estudar o ginásio no Colégio São José. Fui matriculada na segunda série, já alfabetizada, pois havia estudado a primeira série no Colégio Santa Mônica quando morávamos na Rua Augusta. Nessa foto de 1926, eu tinha oito anos de idade e apareço sentada na primeira fila à direita, inteiramente vestida de preto, pois minha família estava em luto pelo meu pai.

Foto

Foto de 1926 ( arquivo pessoal)

O Grupo Escolar do Itahim, fundado em 1925 e mais tarde batizado de Grupo Escolar Aristides de Castro, se localizava na esquina da Rua Joaquim Floriano com a Rua Urussui.

Era um sobrado imponente. As escadarias ficavam na fachada. As salas de aulas eram agrupadas em dois segmentos, separados por um pátio. A escola era cercada com arame farpado e bancos para os alunos sentarem.

Logo cedo, ao chegarmos, éramos separados em turmas femininas e masculinas , pois não podíamos nos misturar. As filas eram muito bem organizadas pelas professoras e pelo Seu Fonseca . Exigiam que ficássemos com a costas e os ombros bem retos. Imaginem como as crianças daquele tempo sofriam!!!!!

Diariamente cantávamos o Hino Nacional . Havia no ar um sentimento de respeito e amor ao país, como se fossemos parte fundamental de uma nação. Sonhávamos em construir nosso futuro...

A escola fornecia todo o material escolar: livros, cadernos, lápis, borrachas e tínhamos que conservá-los com capricho e limpeza. Eu possuía uma linda mala escolar feita de madeira com um fecho sanfonado (chique, não?!). Enfeitando a maleta, uma bandeira brasileira. O uniforme era branco feito de saco de farinha alvejado. Vejam essa foto de 1929 quando fiz o quarto ano.

Foto

Foto do 4.ano - 1929 ( arquivo pessoal)

 

A disciplina era muito rígida. Não havia palmatória e o castigo para as crianças levadas era ficar alguns minutos presas em uma sala localizada embaixo da escada. Tranquilo? Ledo engano. Alguém, fora da sala, fazia questão de balançar um boneco que ficava lá dentro. Utilizava um fio e causava calafrios! Realmente, eu nunca passei por essa experiência mas alguns gritos eu tive oportunidade de ouvir, ou será que foi minha imaginação ?

Outros gritos também ecoavam, de vez em quando, pelos corredores. Vinham do "famoso"gabinete dentário. Volta e meia, o dentista arrancava os dentes dos alunos. Nada de tratamento. Apenas a extirpação à revelia dos pais e dos alunos .

Uma das lembranças mais fortes que tenho dessa escola, me reporta às aulas de trabalhos manuais . As meninas aprendiam a bordar e as primeiras noções de costura, como fazer "ponto-a-jour". E os garotos aprendiam a trabalhar com palha e ráfia. Confeccionavam cestos e cestas diversas. Nessas aulas, os meninos trabalhavam no pátio e utilizavam a cerca de arame como tear para fazer as tramas , produzindo um lindo espetáculo de cor e formas expostas ao vento e a luz do sol.

Os meninos participavam também da banda organizada pelo Seu Fonseca. Aprendiam a tocar os instrumentos, e a conservá-los. O garoto que tocava a tuba ficava um bom tempo limpando o instrumento... Além disso os garotos formavam o grupo de escoteiros. O meu irmão Alberto era um deles. Ficávamos todos orgulhosos ao vê-lo com o seu lindo uniforme saindo de casa para participar dos desfiles da tropa mirim . Desfiles que eram constantes nas festas do bairro na Rua Joaquim Floriano .

As aulas eram recheadas de cópias, ditados, leituras . Algumas vezes, as minhas "amigas", porém mais amigas da professora, aproveitavam para fazer intrigas e confusões. Coisas de criança...

Coisas de um tempo em que a escola era o espaço de encontros, confraternizações e amizades. De um tempo que as professoras eram valorizadas e os funcionários como o Seu Fonseca e sua esposa Dona Ana se dedicavam com afinco e amor às suas atividades. Coisas de um tempo que ficou nas sombras do passado. As primeiras letras, as primeiras professoras e as minhas amizades ainda estão guardadas em um cantinho especial de meu coração."

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