Histórias de Dona Guiomar
escritas por Nereide S. Santa Rosa
Abril 21, 2000
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Páscoa

PãoUma tradição portuguesa não pode faltar na Páscoa em nossa família: o "fular", um pão português recheado com linguiça portuguesa, bacon, e outros tipos de carnes ao gosto de cada pessoa .

Nesta semana, enquanto preparava a massa de mais um pão para a nossa Páscoa, algumas lembranças da Semana Santa no Itaim vieram a minha mente.

Logo lembrei-me da brincadeira do Judas. Quando crianças, eu e meus irmãos Alberto e Acácio confeccionávamos um boneco de trapos. Nós procurávamos roupas velhas e usadas para vestí-lo e fazíamos a cabeça e o pescoço com meias recheadas com capim. Ah... o chapeú velho na cabeça do boneco também era importante... Nós o pendurávamos no portão da casa de minha mãe na Rua João Cachoeira. Logo ao amanhecer do Sábado de Aleluia podíamos ver vários desses bonecos pendurados pelos postes das ruas do Itaim, principalmente na Rua Joaquim Floriano . E ao meio dia, a criançada se reunia para "malhar o Judas". Que confusão ! Alguém colocava fogo no boneco e o garoto mais velho o arrastava pela rua abaixo.

Era uma correria e todos queriam dar um soco ou pontapé no boneco queimado e esfarrapado. Acho que todos queriam descontar no "pobre boneco", alguma raiva interior!!!! Apesar de lembrar com carinho essa brincadeira, recomendo que ninguém a imite!!!!

Mas outras atividades mais amenas aconteciam pelo bairro como as procissões, que se iniciavam no Domingo de Ramos e se estendiam durante a semana inteira. Havia uma na Sexta-feira Santa, e a procissão da Ressurreição às cinco horas da manhã de domingo. A paisagem era incrível: muita vegetação, o que contribuía para o sereno e a neblina que cobria os campos e as pessoas que caminhavam silenciosamente pelas ruas de terra . As crianças do bairro, algumas vestidas de anjos , e ainda com muito sono , encontravam seus colegas do Grupo Escolar e seus vizinhos. Naquele momento não havia confusão, nem brincadeiras, apenas ordem e silencio... As crianças, com cuidado, seguravam as fitas do estandarte de N .Senhora. Todos participavam e rezavam, concentrados na religiosidade que permeava toda a comunidade.

Mas a procissão da Sexta- feira da Paixão era a mais comovente: uma banda sempre tocava a marcha fúnebre , o canto da Verônica ecoava pelas ruas do Itaim conclamando a todos a se resignarem perante a dor de Jesus, as imagens dos santos cobertas com os panos roxos , o andar compassado e as velas tremulando nas mãos dos devotos faziam sombras fantasmagóricas pelo chão de terra. A escuridão favorecia a união e todos caminhavam juntos, mesmo quando , ao final da procissão, chegava a hora de cada um ir para casa.

E então o domingo de Páscoa chegava... não haviam ovos de chocolate, nem coelhinhos. Havia a união da família em torno da mesa do almoço com muita alegria e fartura. Todos realmente comemoravam a ressurreição de Jesus, como se Ele estivesse entre nós. Não nos preocupávamos em trocar presentes ou comer chocolate... apenas a alegria de estar juntos e dividir a refeição entre todos.

Páscoa era, e ainda deve ser , confraternização.

Páscoa é o amor que sinto quando preparo a massa do pão , que, em um ato simplesmente simbólico, é repartido entre as pessoas da minha família.

Repartir é se envolver e participar.

Feliz Páscoa a todos!

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