Histórias de Dona Guiomar
escritas por Nereide S. Santa Rosa
Setembro 14, 2001
Índice das Histórias já publicadas
De
quando o futebol era arte e amor...
Peço
desculpas a meu colega colunista Luis Fernando Bindi, mas diante da situação
do futebol brasileiro não resisti em tecer alguns comentários futebolísticos.
Em vista da recente campanha que a seleção brasileira vem apresentando e em
vista da possível não-classificação do Brasil para a Copa do Mundo, até
mesmo eu, uma senhora octogenária fico indignada. Afinal nestes oitenta e três
anos de vida que possuo, o futebol, de alguma forma, sempre esteve presente em
nossa cidade, em nossa cultura, em nossas vidas.
E,
perante essa situação só nos resta relembrar os velhos tempos em que o
futebol brasileiro era, no mínimo, respeitado.
Lá
pelos idos de 1923, eu e meu irmão Alberto, ainda morávamos na Rua Augusta, na
leiteria de minha mãe. Nós dois costumávamos ir assistir as partidas de
futebol que aconteciam onde hoje fica a Praça 14-bís. Ficávamos ali,
assistindo os jogos lá de cima do morro, e era uma diversão. O pessoal corria
e se envolvia na partida, e quando saía um gol era uma festa. O meu pequeno irmão
ainda não podia participar, mas os seus olhos vibravam com a beleza da disputa
e seus pés ficavam agitados mostrando toda a vontade que sentia em dar um chute
e correr pelos campos de futebol.
Ao mudarmos para o Itaim-bibi em 1925, fomos conhecendo novos amigos e meu irmão começou a participar das partidas que eram organizadas no campo que existia na esquina da Rua Bandeira Paulista e Rua Joaquim Floriano. Naquele tempo, havia uma disputa saudável e divertida, até mesmo entre os bairros da região, como a Vila Nova Conceição que invariavelmente comparecia.
Eram tempos de amor à camisa do time a qual estava acima de tudo e todos... O envolvimento e a dedicação, a vontade de vencer faziam com que aqueles rapazes se dedicassem com afinco ao simples fato de fazer um gol...O qual, quando acontecia, era comemorado com grande intensidade.
Esse mesmo amor que hoje sentimos falta nos jogadores profissionais...Hoje, esses jogadores têm medo de se expor...A pressão do erro e o medo de se machucar castraram toda a iniciativa e a criatividade dos jogadores... Como se estivessem presos ao chão, tensos... E o desastre acaba acontecendo...Os compromissos profissionais e os contratos milionários desabaram nosso futebol.
O
amor e o comprometimento, em qualquer atividade, é fundamental...Quando o meu
irmão e meu namorado e futuro marido Nicola resolveram fundar um clube de
futebol chamado “Onze Florianos” aqui no Itaim na década de 30, todos nós
da comunidade nos envolvemos... Até mesmo minha mãe ajudava oferecendo
lanches...Eu fui eleita a madrinha do clube e criamos uma bandeira que bordei
com carinho e dedicação... Esse amor e esse envolvimento com a bola
justificavam a alegria de participar...
Coisas
que não vemos mais acontecer...
O
encanto do futebol arte acabou...
Quando
em 1950 o Brasil perdeu a Copa no Maracanã para o Uruguai, tiramos uma lição
de humildade...Sofremos, choramos, mas nos recuperamos...
Anos
depois, a copa de 58 foi
acompanhada com grande emoção pelo rádio...Todo o povo se envolveu...A seleção
brasileira era o nosso orgulho nacional.
A
conquista dessa primeira copa, na minha casa, foi uma festa inesquecível...
Choros, abraços, alegria pura e inocente de um povo de um país que acreditava
ser o melhor... O nosso orgulho futebolístico abria portas...Nós existíamos
para o mundo...Nós éramos brasileiros, os melhores!
Pois
é, o tempo passou...Até que vieram
outras alegrias nos anos de 62 e 70. Nessa última, até já podíamos assistir
pela televisão ao vivo, a cores, a beleza da seleção de Pelé, Tostão,
Rivelino, Jairzinho...Uma verdadeira orquestra harmônica de fazer gols e
jogadas inesquecíveis...E o nosso orgulho ainda permanecia...Na conquista do
tricampeonato, confeccionamos uma linda bandeira do Brasil, a qual nos
acompanhava sobre o capô de nosso Volkswagen passeando pela cidade junto com os
corsos espontâneos que se formavam pelas ruas para comemorar nossa conquista.
Nossa mesmo!
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