Histórias de Dona Guiomar
escritas por Nereide S. Santa Rosa
Março 23, 2001
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Campos de Jordão

Um dos passeios do qual  guardo lembranças com carinho foi feito em 1960. Eu e minha família fomos passar alguns dias na famosa estância de Campos de Jordão. Posteriormente tive a oportunidade de retornar inúmeras vezes a bela cidade, passando férias de inverno, mas essa primeira vez foi divertida e diferente. A cidade ainda não era a potência turística que hoje é. Haviam alguns poucos hotéis e pousadas,  nenhuma grande malharia, nem centros de compras e campings. Haviam  muitos sanatórios e casas de saúde e uma linda vegetação. Exuberante, intocável, bela, extremamente bela.

Fomos em sete pessoas: eu, Nicola, Neusa e Nereide, um casal de compadres ( naquele  tempo a gente se tratava dessa forma) e uma tia portuguesa, Albina.

Seguimos de ônibus de carreira pela Via Dutra e depois pegamos a estrada serrana para Campos de Jordão. Naquele tempo uma estrada íngreme, estreita, perigosa, com curvas  e abismos.  Uma viagem demorada e tensa, mas com uma paisagem deslumbrante. O difícil acesso a pequena cidade no topo da serra, realmente dificultava  o  acesso a maioria das pessoas.

Dizia-se que o clima de Campos de Jordão era o mais puro que havia e por isso muitas pessoas que tinham problemas de saúde pulmonar  se tratavam na cidade.

E então, chegamos a Abernéssia, centro da cidade onde ficava a rodoviária e a estação do trem.

Já era noite, aliás bem escura.... e, para completar o quadro,  chovia muito.

Pegamos uma perua que nos levou a nosso destino: uma pousada no Vale Encantado.

Nicola me afirmava que o lugar era lindo... mas naquele instante, eu estava muito assustada.. Após uma viagem cansativa e estressante, ainda seguíamos por caminhos escuros até um lugar desconhecido. Pensava, aonde eu vim parar?

Chegando a frente da pousada, uma tênue luz saía de dentro da casinha...Só havia aquela luz... e o escuro nos rodeava, permitindo que a minha imaginação aflorasse a pleno vapor...Naquele instante não queria ficar ali...apenas escutava o barulho da chuva, piados de morcegos e coaxar de sapos. Mas, como voltar ? Olhava para meu marido e para todos e  nem podia  pensar em comentar meus pensamentos.

Descemos  da perua, descarregamos nossas maletas e adentramos a pousada.

Uma sala agradável e aconchegante nos esperava, com uma lareira acesa e uma boa mesa posta com uma sopa quentinha.

Parece que meus pesadelos começavam a se dissipar...mas, a noite tudo parece mais terrível...

Finalmente a chuva parou e fomos descansar em nossos quartos.

Apenas um barulho intermitente de água correndo permanecia em nossos ouvidos...

E assim adormeci...cansada.

Ao amanhecer,  acordamos com novos sons. Abrimos a janela e... Que paisagem deslumbrante!

Realmente um Vale Encantado.

Pássaros, muitos pássaros voavam quase entrando em nossa janela.

Uma brisa fresca da manhã, misturada com o cheiro de grama molhada...Indescritível.

E, bem perto de nossa pousada, uma linda cachoeira caía, brilhante, mostrando toda a sua  beleza ao receber os primeiros raios de sol...

O riacho corria próximo  à casa...  

E toda aquela impressão inicial se dissipou.

Estávamos em um lugar mágico...

Um lugar que nunca mais eu vi em Campos do Jordão.

Saímos andando a pé, visitando todos os arredores... um contato agradável com a natureza, descobrindo trilhas e pontes, caminhos e  alamedas.  

Andamos a cavalo.

Visitamos a cachoeira e o Palácio do Governo.

Sem movimento, sem compras, sem trânsito ou congestionamento. Apenas o prazer de estar junto a natureza e senti-la intensamente.

Hoje Campos do Jordão é sinônimo de luxo, dinheiro, shopping centers e desfile de carros, excursões e mais excursões.

O encantamento ficou para trás.

Sobraram apenas as lembranças...e muita saudade.    

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