Histórias de Dona Guiomar
escritas por Nereide S. Santa Rosa
Julho 13, 2001
Índice das Histórias já publicadas
O
velho rio Pinheiros
Tenho
acompanhado com interesse as notícias sobre a revigoração do Rio Pinheiros.
Vejo
faixas solicitando a despoluição do rio, leio artigos em jornais e revistas,
ouço matérias nos telejornais...Fala-se em embelezar as suas margens através
de projetos sociais que favorecem o
trabalho para pessoas desempregadas e acabam urbanizando o espaço com lindos
jardins e plantas ornamentais. Uma
bela iniciativa...
Espero
que essa iniciativa crie realmente raízes. Frutifique...E que não seja mais um
momento político passageiro...Como tantos que já tivemos...Que não seja uma
atitude momentânea...Que tenha continuidade em administrações futuras... Que
seja uma tomada de consciência da importância desse rio para o espaço
ambiental em que vivemos. Assim, quem sabe, nós teremos de volta o velho
Pinheiros que conheci em minha infância.
O
Pinheiros onde brincávamos...onde convivíamos...que nos proporcionava uma
paisagem tranqüila e bela..
Suas
águas claras e límpidas onde muitos se banhavam, refletiam a luz do sol dos
invernos e verões paulistanos do início do século XX... Um tempo em que a sua
trajetória era tortuosa, como se descobrisse caminhos entre a vegetação em
uma demonstração de poder e controle do espaço que desbravava...Um rio
sinuoso, nada acomodado...sem margens fabricadas...
Um
rio belo ladeado de chorões os quais, com tanto peso, permitiam que seus galhos
e suas folhagens chegassem até o espelho d'água, tocando–o com delicadeza,
como se um quisesse respeitar o espaço do outro... Uma beleza natural,
incrivelmente selvagem...Inimaginável para quem, hoje, vê o movimento de
milhares de automóveis em suas marginas e o frenético crescimento de prédios
ao seu redor...
Nos
velhos tempos da década de 20, o Rio Pinheiros estava localizado em uma grande
várzea...Uma planície enorme, com alguns charcos entremeando as pequenas
propriedades que ali pontuavam...e recebendo as águas, ainda limpas, dos córregos
afluentes.
O
rio era meio de vida dos barqueiros que retiravam areia para ser vendida às
novas construções que começavam a surgir na cidade...Uma atividade pesada,
difícil...Mas que não poluía o rio e o deixava navegável...
Dizem
até que, ali onde existe a Usina da Traição, havia uma bica onde os tropeiros
de refrescavam e descansavam os seus cavalos...Sendo um lugar quase selvagem,
histórias e mais histórias, lendas e muitas lendas permeavam as suas
margens...
Mas,
esse mesmo rio acabava sendo um espaço para brincadeiras infantis, quando as
crianças do Itaim-bibi costumavam ir até lá para brincar. Brincadeiras até
mesmo arriscadas, como foi certa vez em que eu e meu irmão, mais algumas amigas
e vizinhas, fomos passear de barco pelo rio. Uma pequena travessura, pois minha
mãe não nos havia autorizado. Mas, o pior foi quando os garotos seguravam os
galhos dos chorões para balançar o barco, só para ver as garotas
gritarem...Passei muito medo e, é claro, gritei muito...E ainda levei uma
tremenda bronca de minha mãe que veio até a margem para nos buscar...
Hoje,
essa pequena travessura tem um gosto de saudade...Ao ver nosso rio Pinheiros tão
poluído, até mesmo morto em alguns lugares, recebendo os dejetos da cidade,
tenho muita saudade daqueles dias, um tempo em que o rio era nosso companheiro
de brincadeiras... Um parceiro da cidade pela beleza que nos proporcionava. Mas,
parece que, com o decorrer do tempo, nós, cidadãos paulistanos, o
traímos... O rio, sem poder se defender, foi alterado, ultrajado,
violentado pela cidade... com decisões que não levaram em conta
suas margens que eram belas, suas águas que eram limpas, o seu trajeto
original... Parece que, apenas pensamos em desrespeitá-lo... E o resultado qual
foi? Um grande esgoto a céu aberto, com lixo por toda a parte...
Será
que, finalmente, chegamos a tomar consciência de sua beleza e importância para
nós, paulistanos? Será que agora sabemos pensar no futuro? Será que
meus netos e bisnetos poderão usufruir um rio tal como tive em minha infância?
Vale
a pena não perder a esperança... Eu, que todos esses anos assisti, desolada,
toda essa transformação para pior, e que sou testemunha viva de um tempo que o
rio era motivo de orgulho da cidade, talvez ainda possa sorrir ao passar sobre
as pontes e marginais, e apreciar a beleza das árvores, das flores, dos pássaros
e, talvez, até mesmo dos peixes.
“O
que parecia um sonho deverá se tornar realidade. Até o início do próximo
ano, o Rio Pinheiros vai voltar a apresentar vida, com águas mais límpidas e
um teor de oxigênio dissolvido apropriado para a existência de peixes,
permitindo até a prática de esportes aquáticos.
Este é o objetivo do projeto de despoluição do Rio Pinheiros anunciado pelo Governo do Estado no dia 1 de fevereiro passado, em solenidade realizada nas margens do próprio rio. O projeto que, segundo o secretário estadual do Meio Ambiente, Ricardo Tripoli, constitui a mais importante ação ambiental em desenvolvimento em São Paulo, será bancado pela iniciativa privada, somando investimentos da ordem de R$ 110,2 milhões.
Lembrando
que as obras deverão estar concluídas no início do próximo ano, Tripoli
explicou que o projeto se baseia no sistema de flotação, cuja eficiência vem
sendo testada em dois canais na Praia da Enseada, no Guarujá, e nos lagos dos
Parques da Aclimação e do Ibirapuera, devendo ser adotado também na despoluição
dos lagos dos Parques Estaduais Alberto Loefgren e do Jaraguá. Convide um amigo para ler esta matéria Envie seu comentário à autora deste artigo
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